MÁGOA - Um avião em queda livre
- Vivian Favero
- 6 de jan. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de set. de 2023

Já dizia Martha Medeiros, “a carência, a saudade, e a mágoa são quase
desespero. Ambas parecem um avião em queda. A única certeza é que um
dia vai estabilizar”.
Pensando nesta frase, uma memória extremamente angustiante fez minha
respiração quase parar, meus músculos se retraírem e meu coração
disparar. Certa vez, voltando de uma viajem de trabalho no
Kenya/África, após 13h de voo tranquilo, ao avistar as terras
brasileiras pela janela do avião, lembro-me de pensar, “finalmente
estamos chegando”! Confesso, sempre tive medo de voar, pois estamos
literalmente nas mãos de outras pessoas (no caso o piloto e copiloto),
e isto me deixa muito incomodada, como diz meu pai, “se o avião cair,
não temos galhos para nos agarrar. Enfim, lembro-me nitidamente da
sensação de alegria, eforia e cansaço, que segundos depois foram
literalmente engolidas por pânico e medo, graças a duas fortes
turbulências com perda repentina de altitude. Após um pouso também
turbulento, lembro-me de não sentir meu corpo, e algo automático me
movia para fora do avião (sistema simpático agindo). Já com os pés
fora da aeronave, veio um choro incontrolável aliado a perda de força
e sensação de alívio.
Hoje, dois anos passados do ocorrido, comparo o desespero vivido em
menos de 20 minutos a grande parte de minha vida. Por quase 30 anos
vivi em queda livre, em um profundo, enlouquecedor e doloroso
desespero. Mistos de sentimentos imprecisos que se alternavam entre
carência, raiva, ressentimento, medo e culpa, alimentava minhas
atitudes e guiavam-me constantemente a longos períodos de tristeza e
insatisfação.
Com o tempo, acostumei-me a infelicidade, criei camadas, fui pesando
cada vez mais, inverti papéis, escondi sentimentos, transformei minha
história de vida em um conto de fadas ilusório, e então, com o chegar
do mais escuro dos dias, deparei-me comigo mesma pela primeira vez.
Precisei remover camadas, limpar memórias, aceitar minha posição na
família, curar feridas, e principalmente compreender e saber lidar com
meus sentimentos. E então entendi que o verdadeiro sentimento por trás
de anos de infelicidade, era MÁGOA.
A mágoa tem como pano de fundo decepções, ofensas, ressentimentos,
indelicadezas, pode também ser originada por inveja e até desejo. É a
verdadeira ferida aberta que nunca cura. Quando há mágoa, misturam-se
sentimentos, e a raiva, o rancor e a tristeza, aqui coadjuvantes,
assumem o papel de protagonistas, e assim as confusões acontecem,
entorpecem e dificultam a cura.
A raiva costuma ser vista como uma válvula de escape para a mágoa, ou
o resultado dela. Porém, a raiva é uma emoção temporária, é o mais
puro e forte sentimento de desprazer. Já a mágoa é um estado de
espírito desgostoso, angustiante e penetrante, que por vezes dói
fisicamente, causando dor no peito e falta de ar. E um sentimento
oposto a felicidade que pode perdurar anos, causando uma tristeza
contínua, que pode sim transformar-se em uma doença.
E falando em doença, gosto de aliar meus conhecimentos científicos em
biologia, química, física e medicina, com o até então não muito bem
aceitado no meio científico, campo energético corporal. De fato, somos
energia, possuímos um campo energético, além disso, também produzimos
impulsos elétricos, possuímos uma organela (mitocôndria) produtora de
ATP (molécula básica para nossa sobrevivência), desenvolvemos
hormônios e liberamos neurotransmissores, tudo baseado no equilíbrio
entre o sistema nervoso e hormonal, este, responsáveis pelo nosso
humor, defesa e reparo.
De fato, somos uma máquina movida a energia fabricada dentro de
cada uma de nossas células. As membranas celular de um neurônio,
apresentam polos positivos e negativos, e está perfeita harmonia entre
os polos, são responsáveis pela vida. Quando este equilíbrio é
afetado, defeitos aparecem, somatizam-se e transforma-se sim em
doença.
Os desequilíbrios ocorrem por uma via de mão dupla, seu corpo é a sua
via, a mão dupla tem uma via que sinaliza: atitudes – forma pensamento
- somatização – desordens corporais – desordens ao nível local
(órgãos) – desordens a nível celular; e outra via que sinaliza:
desordens metabólicas – desordens em nível local (órgãos) - desordens
corporais e/ou comportamentais. Sendo assim, podemos dizer que você o
que pensa, o que você come e o que você vive.
Vivi desde meus 8 anos, o que chamamos na Constelação Familiar
Sistêmica, de o papel "EU POR VOCÊ", fui mãe de minha mãe e de meu
irmão. Busquei por anos incansavelmente o reconhecimento como filha,
sempre disse sim, dediquei-me a tudo e a todos, menos a mim. Enterrei
minha mãe após 5 anos de luta contra um câncer, e vivi intensamente a
raiva e a carência, não me permitindo o luto. Passei a assumir os
atos, trejeitos e dores de minha mãe, busquei todas as formas de
aproximação com meu pai, todas baseadas na carência, na doação e na
raiva, então, adoeci. Fui diagnosticada com câncer metastático aos 30
anos, e aos 31 tive uma remissão. Tal acontecimento modificou-me
pouco, o suficiente para começar a me observar, mas não mudar.
Existe um ditado que diz, “se não se aprende no amor, aprende-se na
dor”. Infelizmente, a dor mais escura de uma depressão, aliada ao
pânico, me fez parar, me olhar, me sentir, e me buscar. Nesta
caminhada, o entendimento veio com o auxílio, de psicólogos,
psiquiatras, psicoterapeutas e consteladores.
O deparar-se com a verdade, fere, dói, assusta, mas alivia. O simples
entendimento do que causou mágoa, é o primeiro passo para uma
transformação. Olhar-se nos desnuda de dores, emaranhados e
caricaturas, traz leveza, clareza, delicadeza, harmonia e
estabilidade.
Como humanos, nossos sentimentos nos definem e direcionam. Somos
inundados desde a nossa primeira respiração por emoções boas e ruins.
O fato é que este sistema básico, controlado pelos sistemas endócrino
e nervoso, nos faz evoluir, aprender, distinguir, progredir e
entender. Mesmo que da forma mais dolorosa possível, cabe a nós, o
saber olhar, o compreender e o aceitar.
Aceite, entregue e confie, novos sentimentos nos mostram novas direções.
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